O Quanto Café, na 103 Norte, exibe Cuba com Fé, trabalho da fotógrafa cubana Gabriela Sánchez, com curadoria de Maria Luísa Nunes, sobre sincretismo religioso na ilha caribenha.
A ligação religiosa entre Cuba e o Brasil é profunda. Ambos os países têm muitos seguidores e apreciadores das religiões de matriz africana, trazidas na tragédia da escravização mercantilista dos europeus exploradores. Por conta disso, vemos as similaridades entre o Candomblé brasileiro e a Santería cubana.
Para além disso, o sincretismo religioso da religião dos Orichas (como são chamados os Orixás em Cuba) mantém similaridades com o brasileiro. Muito embora não em todos os Orixás, porque Xangô lá é Santa Bárbara, mas Babalú Ayê (como eles denominam Obaluayê) é São Lázaro.
Cuba com Fé mostra resistência e resiliência
A Santería, assim como os Candomblés de Angola, Ketu e Jeje no Brasil, é uma das estratégias de resistência cultural mais importantes feitas pelas populações dos africanos trazidos escravizados para o continente americano. “Ambos os processos de sincretismo religioso, tanto no Brasil com o Candomblé quanto em Cuba, com a Santería, têm uma raiz comum com o processo de colonização e escravização. Durante a colonização, os colonizadores impuseram o catolicismo como religião oficial, ao passo que as práticas religiosas africanas foram perseguidas. Diante da repressão, os escravizados africanos buscaram maneiras de ocultar suas crenças, fundindo-as com figuras do catolicismo”, explica Gabriela.
Gabriela Sánchez é cubana, fotógrafa e artista plástica e teve os primeiros contatos com o sincretismo religioso ainda criança.
“Na casa da minha avó, um pequeno altar reunia fragmentos e crenças e devoções. A figura de um índio, uma cigana, a Virgem da Caridade do Cobre (Oxum) e a Virgem de Regla (Yemanjá). Entre elas, a pequena estátua de São Lázaro com seu cachorro – o sincretismo com Obaluayê“, relembra Gabriela.
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Fé e peregrinação
Desde 2019, Gabriela registra a peregrinação de São Lázaro, um percurso feito por pagadores de promessas rumo a El Rincón, um povoado localizado ao sul de Havana. “Vi pessoas percorrerem quilômetros descalças, outras se arrastando, cumprindo promessas há anos guardadas. Ali entendi que a devoção a São Lázaro não é apenas um ato de súplica, mas um pacto com a resistência e com a esperança”, explica.
Todo esse sacrifício dos peregrinos se explica em parte pela fé em São Lázaro, o santo das chagas e dos cães. Por conta disso, ele é sincretizado com Babalú Ayé (Obaluayê para a Santería). Este é o senhor da varíola, das pragas, das doenças, mas, principalmente da crua. É o pai do centro da terra, em tradução livre. Por isso, é tido também pelo deus que está no limite entre a vida e a morte.
Sobre Gabriela Sánchez
Gabriela Sánchez (Havana, Cuba, 1991) é fotógrafa e artista visual formada pelo Instituto Superior de Arte de Havana. Nessa instituição ela estudou Direção de Fotografia e complementou sua formação com História da Arte.
Sua obra transita entre o íntimo e o coletivo, explorando a herança cultural, os rituais e as identidades tecidas ao longo do tempo. Através da imagem, constrói pontes entre memórias familiares e narrativas sociais.
Entre suas séries de destaque está “Legado”, um estudo visual sobre as mulheres de sua família que revela como os padrões tradicionais — transmitidos de geração em geração — moldaram suas identidades e ofícios, tornando-se um espelho de resistência e reinvenção.
Outra série, “A Arte da Espera”, documenta aqueles que envelheceram em Cuba, resistindo sem emigrar, enquanto aguardam transformações e mudanças sociais. Já seu trabalho sobre a religião afro-cubana — inspirado nos rituais herdados de sua avó — explora a identidade como cerimônia e a memória como prática compartilhada.
Seu trabalho já foi publicado em meios como a Vice e reconhecido com o Prêmio Caracol pelo Telefilme Sal. Atualmente, desenvolve um projeto que investiga os diálogos entre tradições espirituais de raízes africanas, examinando suas expressões rituais e seu papel na construção de identidades comunitárias dentro e fora da ilha.
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Sobre Maria Luisa Nunes da Cunha – Produtora e Curadora da exposição
Advogada respeitada e admirada na Capital Federal, Maria Luisa Nunes da Cunha trilha o caminho do artesanal e social por opção em tudo que faz. Adepta da chamada “advocacia artesanal”, onde a estratégia é cuidadosamente construída sob medida para cliente. Malu ocupa-se também de observar o cotidiano, na inquietude de compreender o ser humano. No Quanto Café, essa jovem brilhante e humanista, cuiabana de nascimento, ocupa espaço de destaque na cozinha. Desde os 5 anos de idade Malu é culinarista e cozinheira. Ampliando o seu portfólio de experimentalismos e inspeção da alma humana, sua base política, Malu hoje nos brinda com sua mais nova forma de honrar e jogar luz no ser humano: a fotografia.
Nesta mostra, onde o íntimo da fé é também um ato político, Malu adentra lares cubanos e converte o intangível da fé em imagens concretas de altares singelos coabitados por orixás, santos católicos e bonecas congas.
Informações Exposição Cuba com Fé
Local: Quanto Café – 103 Norte
Data: 26 de Abril a 31 de Maio • Segunda a Sexta – 8:00 h às 20:00 h • Sábados e feriados – 9:00 h às 19:00 h
Entrada Livre